Os que se tem na conta do bem não percebem suas fraquezas e suas limitações
Sendo o bem tomam suas ações sempre como boas pelo simples fato que foram eles que as realizaram
Isso vale mais que qualquer argumento
É uma Lei, uma evidência, um dado a priori
Como se consideram o bem veem no diferente o mal
E o mal não é simplesmente o que diverge
O mal é a diferença que deve ser eliminada
Com exceção deles, o bem, tudo é o mal
Impressiona quanto mal os bem intencionados do bem encontram
Até na respiração e no andar
Suas ações jamais são uma correção, uma manutenção da norma
São salvações e redenções
A equação do caos se forma quando os bem intencionados do bem somam a sua vontade com o poder
Resultado
A capacidade de realizá-la
Quem terá paz?
Adentrarão os lares e ditarão até a forma correta de usar o sofá
E nunca se saberá de antemão a ordem do dia
Tudo dependerá de humores alheios
Passaremos a ser tangidos para lá e para cá
Sem saber por qual motivo
Se isso nos beneficia ou não
Eventualmente emperraremos de indecisão
Será que devemos ir ou não?
Então seremos surpreendidos por um açoite do bem que nos impelirá a seguir pelo caminho indicado
Então lembraremos
Nem sempre fomos ruminantes
Tornamo-nos ou voltamos a ser não faz tanto tempo assim
E concluiremos
Fomos nós que abrimos a porta para tal metamorfose
Por medo, por sede de justiça, por cobiça
E muita insensatez
Sentimo-nos sós por estarmos por nossa própria conta
Sentimo-nos abandonados
Os letárgicos deuses se esqueceram de nós
Entediaram-se
Fomos uma boa distração por alguns milênios
Mas já encontraram uma nova e demoram-se nela
Restou-nos a saudade do hábito
E o costume de servir que achávamos que possuíamos
Descobrimos que somos possuídos por ele
Sem mais desígnios vindo das alturas
Sem mais mensageiros descendo a montanha com leis
Juntamos nossos valores e erigimos novos deuses
Para aplacarem a nossa angustia de ficarmos à nossa própria sorte
Os bem intencionados atenderam a um pedido nosso
Nasceram de nossos anseios
Entregamos o que não tem preço na vã esperança de obter um pouco de paz
Entretanto, ela não virá
Não somos dignos dela, não a merecemos
Seria uma injustiça sem tamanho
Uma indecência
Cassandro de La Mancha